ENTREVISTA COM A FARMACÊUTICA BIOQUÍMICA MICHELLE GARCIA DISCACCIATI

Temos o grande prazer de receber em nosso site para uma deliciosa entrevista a Farmacêutica Bioquímica Michelle Garcia Discacciati, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Citologia Clínica  pela Universidade Federal de  Ouro Preto. Doutora em Tocoginecologia pelo Hospital da Mulher/CAISM/UNICAMP. Pós-doutorado em Citologia Clínica Universidade de São Paulo. Pesquisadora associada no  Ambulatório de Infecções Genitais do CAISM/UNICAMP e administradora da página no Facebook Citologia Clínica que tem mais de 15 mil seguidores.

1. Drª Michelle, como surgiu o seu interesse pela Citologia Clínica e como você seguiu caminho na vida acadêmica e na pesquisa em Citologia Clínica e Molecular? 
O meu interesse pela Citologia Clínica começou ainda durante minha graduação na UFMG, época em que fui monitora desta disciplina no ano 2000. Desde então atuo no diagnóstico citológico cervicovaginal e em pesquisas na área. Fiz o curso de especialização em citologia na UFOP e meu mestrado e doutorado no Hospital da Mulher/CAISM da UNICAMP. Em meu doutorado, orientado pelo Prof. Dr. Luiz Carlos Zeferino, avaliamos a evolução clínica da lesão de NIC2 de acordo com a expressão dos oncogenes E6 e E7 do HPV, sendo este o meu primeiro contato com pesquisa que unia a citologia e a biologia molecular. No pós-doutorado, realizado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP sob a supervisão da Profa. Dra. Silvya Stuchi Maria-Engler, ampliei minha atuação em testes imunoquímicos e moleculares, pesquisando marcadores de invasão e metástase nos diferentes graus de neoplasia cervical. Atualmente, atuo como pesquisadora em um projeto sobre o microbioma vaginal e vacina do HPV que está em andamento no CAISM/UNICAMP, tendo o Prof. Dr. Paulo César Giraldo como supervisor. Todas as pesquisas supracitadas, além de contar com testes moleculares e imunocitoquímicos, tiveram o exame citológico de Papanicolaou como uma importante ferramenta de levantamento de dados, seleção de sujeitos e definição de condutas clínicas de acordo com as diretrizes preconizadas.

2. Dedicastes a pesquisa Citológica e Molecular no Brasil, como você avalia a atual situação brasileira da pesquisa na nossa área? 
A Ciência Brasileira, em todas as áreas, recentemente tem sofrido com o corte de financiamento aos projetos de pesquisa e corte de bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Porém, eu sou otimista e acredito que esta fase ruim passará, portanto, temos que persistir! Uma vez que minhas pesquisas foram concentradas no estado de São Paulo, onde nós temos a FAPESP que é uma forte agência de fomento, eu não teria um conhecimento amplo para falar sobre a real situação da pesquisa em citologia ginecológica no restante do Brasil. Entretanto, conheço fortes grupos de pesquisa sobre HPV e cânceres associados que atuam no estado de São Paulo, Paraná, Goiás e Ceará e abrangem várias frentes de investigação nesta área, como: 1) pesquisas básicas e clínicas sobre biomarcadores tumorais e mecanismos carcinogênicos do HPV; 2) vacina profilática e terapêutica do HPV; 3) pesquisas sobre custo-benefício da implantação de novas tecnologias de rastreamento do câncer do colo do útero; 4) distribuição de genotipos de HPV e dos cofatores de risco nas diferentes regiões do país; 5) situação do rastreamento do câncer do colo do útero em cada canto do Brasil a fim de identificar necessidades regionais; 6) controle de qualidade do exame citológico. Um projeto de pesquisa bem escrito e fundamentado, com uma pergunta de pesquisa relevante, tem grandes chances de ser aprovado pelas agências de fomento.

3. Do que mais gosta de estudar e pesquisar e qual é a área que mais lhe fascina, a Biologia Molecular ou a Citologia Clínica?
Sou citologista e sem dúvida o diagnóstico morfológico pela citologia é a área que mais me identifico. Já a biologia molecular é uma ciência extremamente útil para todas as áreas biológicas e médicas. Em pesquisas básicas, clínicas ou epidemiológicas, a biologia molecular caminha junto à citologia clínica, para fornecer informações em diferentes níveis de conhecimento! Devo dizer que apenas a minha dissertação de mestrado foi baseada exclusivamente no diagnóstico citológico. Em todas as outras pesquisas que participei, os dados foram gerados a partir de resultados obtidos em conjunto pela citologia, histologia, imunoquímica, PCR e rt-PCR. O exame de Papanicolau nos mostra as alterações morfológicas que o HPV deixa na célula. A pesquisa molecular nos leva a outro nível de informação, pois nos mostra alterações moleculares e/ou bioquímicas que podem acontecer antes mesmo de aparecer as alterações morfológicas e que podem predizer o comportamento de uma lesão pré-neoplásica. Além disso, por meio de testes moleculares, podemos determinar os genotipos de HPV e diagnosticar infecções genitais como a Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhea, importantes problemas de saúde pública e que muitas vezes são subdiagnosticadas. 

4. Pesquisadores do Exterior e do Brasil, destacam em seus estudos que o método de rastreamento do Câncer do Colo do Útero deveria mudar, passando a ser usado a Biologia Molecular como método de escolha e a Citologia passaria a ser um exame usado para acompanhamento de mulheres com resultado molecular positivo, com base nos seus conhecimentos, como você avalia esses estudos?
Os resultados destes estudos devem ser avaliados de acordo com a realidade de um país ou região. Vivemos em um país com extensão quase continental e com grandes disparidades socioeconômicas. Para um método ou exame ser bom para diagnóstico populacional, não basta que ele seja sensível e específico. Ele precisa ser pouco dispendioso, exigir tecnologia mais simples e ser de fácil implantação e execução. Neste contexto, considero que, na atual situação brasileira, o exame de Papanicolaou atende melhor a estes critérios do que os testes moleculares para HPV. Sei que, em nossa região, existem estudos em andamento que objetivam avaliar a relação custo-benefício do rastreamento centrado no teste do HPV frente à citologia convencional. Porém, no momento, o exame de Papanicolaou continua sendo o nosso maior aliado nos programas de rastreamento do câncer do colo do útero.

5. Você é administradora de uma das maiores e mais antigas páginas no Facebook destinada a área, chamada de Citologia Clínica. Quando surgiu a ideia de criar a página e usar a Internet para a divulgação de imagens e casos sobre Citologia?
Criei a página em 2011, sem muita pretensão de atingir tantos seguidores. Inicialmente meu foco era apenas compartilhar imagens morfológicas de citologia ginecológica. Comecei a perceber que a minha página estava atraindo seguidores com interesse em áreas mais gerais e correlatas à citologia ginecológica, como por exemplo: funcionamento celular, câncer, infecções genitais e vacina do HPV. Assim, comecei a expandir os temas abordados, mas o foco principal continua sendo a citologia ginecológica. Eu tanto crio conteúdos como compartilho conteúdos de terceiros, sempre checando a idoneidade do conteúdo compartilhado.

6. A sua página, o Citologia Clínica, é um dos maiores veículos destinados a área com mais de 15 mil de seguidores, sendo que a sua maioria é composto por: estudantes e profissionais iniciantes área, você é uma professora virtual, como é feita a sua pesquisa para sempre abastecer a rede com um conteúdo de qualidade? Dá muito trabalho?
Muitas das imagens citológicas que compartilho em minha página são autorais e foram fotografadas por mim. Quando compartilho imagem ou atlas criados por outros citologistas, forneço os devidos créditos. Quando crio um conteúdo contendo informações científicas, baseio-me em resultados de artigos publicados em revistas científicas sérias e indexadas. Agora, quando publico conteúdos de terceiros, preciso ter muito cuidado para evitar informações falsas ou até mesmo apropriar-me de conteúdos alheios. Dou preferência aos conteúdos de sites governamentais oficias ou de páginas de sociedades científicas do Brasil e do mundo, já que tenho seguidores de outros países também. Por exemplo, tenho a página Citologia Brasil como uma excelente fonte de conteúdos e imagens sobre citologia e sempre compartilho os conteúdos desta página. Para descontrair, às vezes compartilho trocadilhos e memes abrangendo a rotina do profissional da citologia dedicado à leitura de lâminas! Não dá muito trabalho e é muito gratificante ter o retorno dos seguidores.

7. Acredita que um bom profissional é aquele que nunca deixa de estudar e sempre está atualizado nas novidades da área? E quais são as suas perspectivas para o futuro da nossa área?
Sim, a participação em programas de educação continuada, reuniões, seminários e congressos faz toda a diferença para o bom citologista! O conhecimento humano é dinâmico e está sempre mudando de acordo com a evolução tecnológica e científica. Por exemplo, tudo o que sabíamos sobre a etiologia da vaginose bacteriana há 10 anos, hoje está sendo revisto com a tecnologia do sequenciamento do gene bacteriano 16S rRNA, que aumentou muito nosso conhecimento sobre o microbioma humano.
Quanto ao futuro da nossa área, uma questão frequentemente levantada é qual será o papel da citologia oncótica cervical na era da vacina do HPV?  A vacina quadrivalente do HPV (contra os tipos 6,11,16,18) foi acrescentada em nosso Programa Nacional de Imunização em 2014, sendo atualmente oferecida gratuitamente pelo SUS para meninas de 9 a 14 anos, meninos de 11 a 14 anos e mulheres vivendo com HIV com idade entre 9 e 26 anos.
De acordo com esta população-alvo prioritária, não há, por enquanto,   qualquer mudança nas diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero, pois as meninas vacinadas não atingiram 25 anos, que é a idade mínima para início do rastreamento. Acredito que, no futuro, o rastreamento citológico sofrerá mudanças, mas de maneira alguma será extinto. As mulheres vacinadas continuarão sim o rastreamento pelo método de Papanicolaou, provavelmente com a periodicidade diminuída. Já para a população não vacinada o rastreamento deverá continuar normalmente, conforme as condutas preconizadas pelo Ministério da Saúde.
Assim, nós devemos sempre estudar e buscar atualização sobre os temas que nos ajudarão a desenvolver nosso trabalho com maestria, pois ele será necessário por muito tempo.

8. Temos muitos estudantes e profissionais iniciantes da área como leitores do nosso site, se pudesse dar um conselho para essa nova geração, qual você daria?
Citologia é conhecimento teórico aliado à prática de leitura! Ao saírem da graduação, se quiserem atuar em citologia, procurem um curso de especialização que tenha uma carga horária adequada e com muita atividade prática. Aos que já iniciaram nesta área, procurem sempre agregar novos conhecimentos tecnológicos e busquem treinamento nas áreas correlatas à citologia morfológica, como a biologia molecular e imunoquímica! 
Tenham sempre em mente que o câncer do colo do útero é terceiro tipo de câncer mais comum entre as mulheres de nosso país, segundo os dados do INCA 2018! Pensem que estamos falando de um câncer que pode ter 100% de cura se detectado precocemente e tratado adequadamente! O rastreamento citológico tem sido há anos o maior responsável pela redução da incidência e prevalência do câncer do colo do útero no Brasil e no mundo. Portanto, é nosso dever realizar o diagnóstico citológico da maneira mais acurada possível. Isso só pode ser alcançado com muito estudo, atualização e consciência!

Fontes das informações dadas nesta entrevista:

Agradecemos a entrevistada Michelle Garcia por ter aceito ao nosso convite e participado do nosso bate-papo. Caso queriam entrar em contato com a entrevistada deixamos aqui o seu contato: FACEBOOK.
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1 Comentario
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excelente entrevista! A preocupação com a qualidade no diagnóstico citológico deve estar presente na rotina de todo citologista; muito bem lembrado Dra Michelle!!!

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